A industrialização da Bahia, iniciada nos anos 1950 com a refinaria da Petrobras, se consolidou na década de 1970, com a metalurgia e especialmente a petroquímica, fazendo a economia local perder sua feição agroexportadora fortemente apoiada na atividade cacaueira. Como se deu em outros estados não pertencentes às regiões Sul e Sudeste, a Bahia se inseriu na matriz industrial brasileira através da chamada “especialização regional”, transformando-se em uma supridora de produtos intermediários para os setores produtores de bens finais instalados naquelas regiões.
Entre 1975 e 1980, o PIB estadual cresceu a uma taxa média anual de 9,7%. O desempenho da indústria de transformação, muito influenciado pela petroquímica, foi ainda mais impressionante: 32,0% em 1977; 12,9% em 1978; 29,4% em 1979 e 26,6% em 1980. Não se veria nada igual, ou sequer assemelhado, até os dias atuais. São os anos de ouro da economia baiana. A grandeza dos números revela a pequenez da realidade anterior: duas intervenções, pontuais e setoriais (petroquímica e metalurgia), transformaram de maneira dramática a atividade econômica. Setores correlatos (comércio, serviços, e construção civil) ajudaram a nutrir as significativas alterações. A Região Metropolitana de Salvador consolidou suas modernas feições e tendências ao longo daquelas duas décadas.
Anos se passaram. O mundo, o Brasil, a Bahia, e a indústria em geral e a petroquímica em particular mudaram. Em conseqüência, a petroquímica local não poderia continuar cumprindo o mesmo papel dos anos dourados. Muitos passaram inclusive a imaginar que ela estaria fadada a desaparecer na Bahia. Um exagero. Explico. Em qualquer parte do mundo, a petroquímica possui importância estratégica, pois produz insumos indispensáveis para um conjunto de cadeias produtivas. Seria uma insensatez descartá-la.
É preciso, todavia, periodicamente, reinventá-la. Isto porque, a exemplo de outros setores industriais, sua estrutura está associada a um conjunto de fatores competitivos que incluem aspectos de natureza econômica e tecnológica, políticas públicas, e as próprias estratégias dos grupos empresariais que detêm ativos no setor. Esses fatores, dentre os quais se destacam o acesso a matérias primas (petróleo e gás natural) e aos mercados com maior potencial de crescimento, se alteram permanentemente, motivando fusões, aquisições, novos investimentos e desinvestimentos ¹.
A petroquímica brasileira teve que se reinventar no início dos anos 1990, em decorrência da crescente globalização produtiva, da entrada de novos países produtores, e da abertura econômica do país. Ela começou a passar por dificuldades em razão de muitas desvantagens competitivas que não se explicitavam em uma economia protegida. Diferentemente da de outros países, a petroquímica nacional se caracterizava pela baixa integração vertical. A nafta era fornecida pela Petrobras, os petroquímicos de 1ª geração por empresas, de certo modo, isoladas (antiga COPENE, COPESUL e PQU) e os de 2ª geração por várias empresas, em geral pequenas e monoprodutoras.
As consequências negativas dessa estruturação sobre as empresas eram várias, destacando-se: incapacidade de atingir escalas e faturamento necessários para gastos regulares e adequados em pesquisa, inviabilizando-se, assim, inovações tecnológicas; impossibilidade de obter economias de escopo que se constatam nas grandes firmas petroquímicas internacionais, na medida em que as nacionais elaboravam produtos específicos; dificuldades de dar respostas rápidas às flutuações econômicas e a movimentos de racionalização que exigissem ajustes de capacidade produtiva através de fechamento de fábricas, pois isto significaria desativar uma empresa, se ela fosse uma monoprodutora; e multiplicidade de custos administrativos, comerciais e tributários. A integração dos ativos petroquímicos brasileiros, que resultou na criação da Braskem, controlada pela Odebrecht e a Petrobras, só efetivada nos anos 2000, alterou aquele quadro. Foi uma primeira adequação (bastante atrasada) à estrutura da indústria vigente no mundo.
Impulsionada pela disparada do preço do petróleo e pelas elevadas taxas asiáticas de crescimento, especialmente da China, a petroquímica mundial se reestruturou a partir do início do século XXI, exigindo uma segunda adequação da petroquímica brasileira. O primeiro fator provocou um aumento do já elevado peso das matérias-primas petrolíferas nos custos de produção dos petroquímicos, forçando as grandes empresas a reorientar investimentos para regiões produtoras de petróleo e gás natural, realizar parcerias com companhias de petróleo, e buscar fontes alternativas de matérias-primas. O segundo atraiu investimentos para o continente asiático. Em consequência, os novos investimentos no período se dirigiram para o Oriente Médio e a Ásia². Fábricas em regiões menos competitivas começaram a ser desativadas e várias empresas saíram do negócio. Naquele contexto, a petroquímica americana, a maior do mundo, começou a definhar. Ela foi salva e se recolocou no jogo com o desenvolvimento e uso da tecnologia para extrair shale e oil gas³.
Os movimentos da Braskem realizados bem antes da Operação Lava Jato mostravam aderência a esse novo cenário internacional. Ela desenvolveu no México, com uma empresa local, um mega projeto, utilizando o gás natural daquele país, de modo a ter condições de abastecer mercados da América Latina e dos EUA. Com esse mesmo propósito adquiriu empresas petroquímicas nos EUA e tratou de buscar, com sua planta de polietileno verde no Rio Grande do Sul, que usa eteno produzido a partir do álcool, fontes alternativas ao petróleo e gás natural.
Como se nota, foram projetos que não contemplaram a Bahia. Como se não bastasse, o polo de Camaçari convivia e ainda convive com defasagens tecnológicas em algumas plantas, escassez de matérias-primas, distância dos principais mercados consumidores, problemas de infraestrutura, e compete com outros estados que sediam ou desejam sediar empreendimentos petroquímicos e são grandes produtores de petróleo e gás natural. Em que pese essas desvantagens, a petroquímica local, insisto, não irá desaparecer, pois ela também dispõe de vantagens competitivas, tais como capital amortizado, escalas produtivas compatíveis com o padrão internacional, aprendizado operacional acumulado, e infraestrutura em recuperação. Ela terá, sim, que se especializar em algumas famílias de produtos e continuar lutando para atrair novos investimentos, a exemplo do que ocorreu com o polo acrílico.
Dos agentes públicos espera-se competência para articular parcerias com a iniciativa privada visando superar esse quadro de desvantagens competitivas e estratégias sustentáveis que possam resultar em uma maior diversificação produtiva para a economia baiana. Afinal, a história ilustra os perigos que assombram regiões dependentes de um ou poucos setores produtivos.
1 Segundo estudo da empresa de consultoria A.T. Kearney, publicado no Valor Econômico (06/04/2017), o volume de operações de fusões e aquisições na indústria química mundial caminha para o recorde de mais de US$ 300 bilhões em 2017. Dentre as que devem ser fechadas ainda neste ano, quatro são megaoperações: as fusões Dow Chemical Dupont e Praxair Linde e as compras da Monsanto pela Bayer e da Sygenta pela Chem China. A principal motivação dessas empresas é consolidar sua liderança em seus respectivos segmentos.
2 A Sadora Chemical Company, joint venture de US$ 20 bilhões no Oriente Médio entre a Dow Chemical e a Saudi Aramco, começou a produzir polietilenos no final de 2015. Sua capacidade produtiva é de 3 milhões de toneladas por ano e engloba 26 linhas de produtos. O projeto visa novos mercados, principalmente o indiano que já cresce mais que o chinês em termos de demanda por esses produtos petroquímicos.
3 No Golfo do Texas, a Dow Chemical está concluindo um projeto de mais de US$ 6 bilhões para produzir etileno a partir do gás de xisto.